domingo, 11 de setembro de 2011

Sobre coisas guardadas...

Veste da forma, adorna e desce ao solo.
O sabiá entorna um canto lírio
E esconde o canto lá bem junto dela

Despe a vaidade, tarde, no alto ramo
Tão sem alarde a orquídea, e deixa em traços
O colorido lá na vida dela.

De corpo nu, reflete o azul no chão.
A terra ruge atroz sua firmeza
Para espantar de lá os medos dela.

No céu a luz em seu eterno exílio
Olha da lua o mundo em profusão
E trilha brilhos lá na estrada dela.

Da bela os sonhos e os amores todos
São sabiás, orquídeas, terra e lua,
Tudo guardado lá, no seio dela...


11/09/2011

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Sobre a ausência

E eu que tanto careço de olhares de repente fiquei cego...
Carecendo tantos abraços, perdi sem praxe o tato.
Eu que sempre de longe respirei o aromado amor, desaprendi a amar
Ao respirar de um ar com mais sonhos do que oxigênio.

Eu que tanto quis fazer um mundo, me prendi à curta terra
De árvores quietas, desnudas de frutos
Que de tão secas, roubaram minhas horas gastas
Num semear arrastado pelos dias, pontuado pelas noites.

Eu que tanto careço tantas coisas, me perdi ao não querer mais nada...
Murcharam aos meus pés buquês de gerberas,
E murchei aos pés das flores murchas,
Quando o tudo que eu antes precisava se mostrou menor que a sua ausência.

domingo, 17 de julho de 2011

Quando nada

Quando a gente respira nada,
Afaga o nada,
Olha o nada.
Quando a gente pensa nada,
Come o nada,
Ouve o nada.
Quando a gente fala nada,
Vive o nada,
E lá no fundo nada vive.

Quando a gente nada,
Afoga ou nada,
Respira...
Inspira.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Afresco de um pintor da Via-Láctea

Tenho por ti qualquer amor ou coisa vaga
Uma paixão que a cada instante se deflagra
E se faz mais, cada vez mais, cada vez mudo...
Cada segundo em mil milênios, tempo e tudo.

Se te prometo as estrelas do céu desnudo,
Então os astros sequer olham o chão veludo
Sabendo que eu aguardo cá, com vida magra
Um só relance pra que eu suba ao céu e o abra,

E de lá seque as nuvens e apague o brilho
Tire constelações e qualquer empecilho
Qual se interponha contra o novo desenho

Que hei de fazer por teu olhar admirado:
Um novo véu, no tom do mais aquarelado
E alvo sentimento que à ti empenho.


22/06/11

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Na chuva

Dança, e dança!
Enquanto a ventura no amor houver
E do guarda-chuva jorrar qualquer
Canção que de vontade de molhar
Num estalar de pés, todas as roupas.

Estenda para longe, vai! Não poupa
Do mundo a felicidade rouca
Que a voz escassa canta à quem vier
Sentir respingos sob o luar.

Quando fugir a luz pr'outro lugar
Num salto os braços hão de ensinar
Que vida de quem ama voa solta
E busca alto a amada mulher
Que ama, ama...


20/06/11

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Peônias

Tão belos os momentos, risos desatentos
Que quando contigo, fluem.
Um jeito airoso de flor querendo brotar
Na branca face, tua, divergindo a penumbra ao redor.

Trejeitos inconsúteis arrancados
De cada uma de tantas discretas olhadelas,
Dadas feito delírios que propagam
No céu e além do sereno que cai

Na relva, lá, tão longe de nós dois
Aonde a Lua quase finge que anuncia
Chegar macia a alvorada ao cabo da sombra

Fazendo mesmo em noite despertar
Um sono que lá eu plantei por ti,
Para colher as mil peônias que sonhaste.


03/05/2011

terça-feira, 29 de março de 2011

Sobre o que se perdeu

Rangia a rústica madeira já lascada
Por tantos anos de amores escondidos
De galanteios, traições, peitos feridos
Mentiras fartas tantas vezes escutadas...

Quantos sapatos velhos foram esquecidos?
Quantas medidas do Bonfim já leiloadas?
Quanto do mais de tudo se perdeu na estrada?
Deixando ao léu somente versos comovidos

Rodando as sobras de canções, tantas memórias...
De cada nome de mulher, mais mil histórias,
Todas as horas, sal molhando capas, discos

Rodopiando o som e a fascinação
Do brando toque agulhando um coração
Aberto em mágoa e ainda envolto em visgo.


29/03/2011

sábado, 5 de março de 2011

Arco, íris.

Respingos na janela exalavam
O brilho da garoa que outrora
Caiu e arrastou consigo embora
As faces que em vapor se desenhavam;

No fosco que os traços ostentavam
Um colorido ignorava as horas
Dando aos respingos um só tom, agora
Da íris cor de âmbar na qual pulsavam

Guardando longe o som da bossa-nova
Um vidro a resguardar sua alcova
E os desatentos dedos rabiscando

Arcos oníricos do Sol formando
A difração dando uma só prova
De que a beleza em você se renova.


06/03/2011

sábado, 29 de janeiro de 2011

Enlace em pulso

Finjo desdém à sua imaculada pele
Tão mais perfeita que qualquer dos meus sonetos.
Bem mais que ruas, ébrios labirintos, becos
Seus olhos cercam os meus, abrasando em febre.

Leitosas, as bochechas são outros quartetos
Se contraindo em sorrisos que não querem
Achar nas letras o seu perolado éden
Num beijo ávido à inundar os lábios secos

E falta a voz para negar o que se quer
Falta um não a ser falado em tom qualquer...
Só fica o enlace do teu corpo por meus pulsos.

O beijo vem para fechar à ouro a noite
Inesperado golpe, lábios como açoite
Doendo e 'inda assim rendidos ao impulso.


30/01/11